segunda-feira, 7 de julho de 2008

ORAÇÃO DO SALTO DE PIRACICABA

Oração ao Salto (Lagreca)

Poucos cantaram Piracicaba quanto Francisco Lagreca.
E poucos foram poetas como ele
O mais amado símbolo de Piracicaba, eis o Salto.
Pode ser a origem do nome Piracicaba, como podem ser os peixes e o rio.
A devoção piracicabana ao Salto, no entanto, jamais foi cantada com tanta inspiração como o fez Francisco Lagreca em sua "Oração ao Salto".

Passam-se os anos, escrevem-se livros, fazem-se almanaques, mas não há como deixar de registrar - para tentar explicar a ligação da alma piracicabana aos seus símbolos - a oração de Francisco Lagreca, ao Salto:

"Meu rio saudoso, meu dolente rio,
amo-te assim, indômito, bravio,
no turbilhão das ondas rumorosas!
Amo-te assim em vagas tumultuosas,
rolando pelas pedras denegridas,
cantarolando essas canções sentidas,
com que embalas o sono da cidade,
nas horas de silêncio e de saudade!

Amo-te assim, no horrendo desse abismo

Porque ouvindo a tua voz, eu penso, eu cismo,
Que vim de ti, do teu revolto seio,
Para melhor sentir o meu anseio
Para que eu possa com orgulho amar-te
E o teu canto levar por toda parte!

Amo-te, assim, no símbolo das águas,
Esquecendo estas dores e esta mágoas!
Amo-te assim na inédita beleza,
sonho azul imortal da natureza!

Amo-te assim em rendas vaporosas
De espumas, catadupas impetuosas,
Que avançam como jubas fulvas de ouro
Para a fauce do tredo sorvedouro!

Amo-te assim deitado aos pés divinos
Da cidade sensual, de ornatos finos,
Revestida de pompas fascinantes
Desde os valados até os céus distantes!

Amo-te assim na branda luz do Outono,
Nessa melancolia de abandono,
Extasiado no encanto da paisagem,
Meu rio saudoso, olímpico e selvagem!

Amo-te assim no poema da tua terra,
Que tanta luz, tanta poesia encerra,
Evocando nos surtos da memória,
Os deuses e os heróis da nossa história!

Amo-te junto a mim, na graça e encanto
Do teu mistério que me enleva tanto
Porque de ti me vem toda ventura
De contar-te nos dias de amargura
Os enganos da vida e a funda mágoa
Que vão contigo além, de frágua em frágua.

Quero-te assim guaiante, rebramindo,
Lembrando o mar nesse rumor infindo;
A rugir, como as vozes das procelas,
Apagando no azul milhões de estrelas!

Quero-te em ondas bravas, escarvando
O rochedo e as alturas desafiando,
No ritmo da marcha triunfante,
Em brocados de neve deslumbrante.

Quero-te assim nas noites de invernia
Triste, a rezar, sob uma aragem fria
E em minha dor, que uma ilusão ensalma
Sentir na alma as agruras de tua alma!

Deixa-me descansar junto ao teu leito
E adormecer, ao ouvir-te satisfeito,
Que flameja a tua força criadora
Para a glória da vida sofredora,
Para que a terra em selva reverdeça
E em frutos de ouro, sob o sol, floresça!

Deixa-me ver que a angústia de ser triste
Também nas vagas do oceano existe
Entrevejo em teu seio a nostalgia
Das ilhas quietas, ao morrer do dia,
Brilhem astros no azul, que o mundo em festa
Vibra de sons na virginal floresta
E que as ninfas, os pássaros e as flores
cantem por tudo, em mágicos fulgores!

Tua beleza é maior, porque és a imagem
Da vida na sua tétrica voragem
Porque és a luz, a força, o movimento,
O domínio espiritual do pensamento!
Vences a própria rocha, estranho artista,
Aureolado num sonho de conquista,
Divinizado pela própria luta,
A flor da espuma sobre a pedra bruta!

Quando de longe vens, trazes contigo
A carícia aromal de um sonho amigo
E tão perto me falas aos sentidos
Que fico de olhos abertos, embebidos
Na volúpia das águas sem canseiras,
Turbilhonando em fortes corredeiras!

As longas espirais da espumarada
O teu murmúrio, a queda alucinada
Nos solapões ferventes, os vapores
Que enchem o ar de lívidos fulgores,
Tudo é teu, tudo que te pertence
Torna-se luz e a imensidade vence!

Quantas vezes, olhando-te bem perto
Olhos parados, um olhar aberto,
No êxtase musical dos teus rumores,
Evoquei os teus velhos pescadores!

Quantas vezes na angústia do segredo
A fitar-te da sombra do arvoredo
Por me vires descrente e solitário,
Como um piedoso, místico, sudário,
Recolheste, nas dobras do teu manto,
A amargura infinita do meu pranto!

Quantas vezes, ao luar beijando as ondas
Que vêm descendo louras e redondas,
Ao culto enternecido do lirismo,
Fiz do teu seio um suave misticismo.

Meu Deus, Senhor, tu que me deste a glória
Dos humildes na vida transitória
Faz com que minha alma vibre e cante,
Este som, esta música extasiante!

Senhor! Quero que a vida alheia às dores
Seja a perpetuação destes rumores:
Águas rugindo na fatal corrida,
Sonoras, vivas, como a própria vida!
Senhor! Transforma o meu viver tristonho
Neste divino abismo dos meus sonhos!

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